O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Minhas Primeiras Leituras


Crônica de Margarete Solange


Sempre fui apaixonada por leitura. Nem lembro como essa paixão começou. Quando aprendi a ler, eu ficava bem perto do meu pai enquanto ele dirigia para que me ouvisse ler os letreiros que surgiam em nosso trajeto. Ele ficava encantado porque eu sabia ler. E porque ele ficava encantado, eu lia tudo o que via pela frente para receber elogios.

Como éramos muitos filhos (nove), estudamos em escolas públicas, e meu pai não podia comprar livros. Na vizinhança, havia uma menina, colega de brincadeiras, que tinha em sua sala uma estante cheia de livros. Eram os clássicos da literatura infantil, uma riqueza! Eu me sentava em frente à estante e ficava olhando os livros para sondar o ambiente e saber se era permitido pegá-los ou não. Estudava as expressões dos rostos das irmãs mais velhas e da mãe da menina. Se não fizessem cara sisuda, era sinal de que eu poderia pegar os livrinhos para ler. Poder lê-los trazia-me uma alegria infinda!
Eu era tímida ou acanhada demais para ter coragem de pedir permissão aos adultos para fazer qualquer coisa que fosse. Esse medo de me expor e enfrentar pessoas trago até hoje. Procedi dessa forma por muitas e muitas manhãs, mas nenhum adulto daquela família colocou obstáculos para que eu lesse os belos e bem ilustrados livrinhos. E assim, li muitos livros, até mesmo “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas, embora ainda não tivesse idade para entender bem o enredo dessa história. Para não desmerecer a confiança que tinha conquistado, eu segurava os livros com muito zelo, enquanto os lia ou folheava. Esses momentos de leitura eram ricos para mim e, por isso, ainda guardo na memória todo o ambiente que me cercava enquanto eu lia ou relia meu grande tesouro, sentadinha no chão da sala em frente à estante de meus cordiais vizinhos.
Lembro-me também de que iniciei a leitura lúdica nos quadrinhos infantis. Eu ainda não compreendia as palavras, mas entendia as histórias, lendo as gravuras. Vez por outra, meus irmãos apareciam com um gibizinho trocado ou emprestado de alguém. Às vezes, recusavam-se a me emprestar; então eu tinha que ler escondidinha, correndo grandes riscos de ser flagrada. Isso era uma aventura muito grande porque eu era medrosa e não gostava me meter em intrigas. Quando o flagra acontecia, a confusão era tremenda. Guardo com carinho as lembranças de minhas primeiras leituras. Muitos livros infantis não tive o privilégio de ler durante a infância, mas jamais deixei de ler livros infantis porque deixei de ser criança. “O Pequeno Príncipe”, li na adolescência, um amigo me emprestou e “Pollyana”, na fase adulta, visto que duas amigas insistiram para que eu lesse. Adorei! Entre tantos livros lidos na infância, cito dois, como sendo inesquecíveis: “O Patinho Feio”, de Hans Andersen, e “A Ilha perdida”, de Maria José Dupré.




Crônica: 
Minhas Primeiras Leituras,
 Fonte: Margarete Solange.
O Silêncio das Lembranças.
2011, p. 205-206
Queima-Bucha, 2011.
Ilustração de Jorge Davi.