conto de Margarete Solange
Vou contar a história de uma raposinha que tentava alcançar as uvas...
Mas olha aqui, não vá pensar que se trata da mesma raposa daquela antiga
fábula, A Raposa e as Uvas, conhecida no mundo inteiro.
Nada disso. Aqui a raposa é outra, e as uvas também, embora deva reconhecer que
o início dessa história é bem parecido com aquela já conhecida. Mera coincidência,
no desfecho as duas são diferentes. Leia e confira:
Uma raposinha sonhadora ia
passando perto de uma vinha, quando, de repente, foi atraída por belos cachos
de uvas bem madurinhas, prontinhas para serem colhidas e devoradas.
Deslumbrada, parou e ficou pensando no que poderia fazer para realizar o seu
desejo. Dinheiro para comprá-las, não tinha; roubá-las, nem pensar. Agir com
desonestidade não cai bem para quem deseja ser respeitado.
Instantes depois, a raposinha
percebeu que um leão velho, que tomava conta da vinha, aproximava-se do local
onde ela estava. Gentilmente o cumprimentou e quis saber o que poderia fazer para
saborear as belas uvas. O leão disse-lhe que, se ela pulasse e colhesse as uvas
com a boca, poderia ter quantas uvas desejasse. Ora, o astuto leão bem sabia
que a raposinha era pequena demais para alcançar uvas tão altas.
A raposinha, muito animada,
começou a saltar. Pulou uma, duas, três... vinte... trinta... enfim, muitas e
muitas vezes, sem sucesso. Parou para descansar. Enquanto isso, o leão pastorador,
deitado à sombra de uma frondosa árvore, observava, divertindo-se. Após
inúmeras tentativas a Raposinha, consciente de que precisava aprimorar seus
saltos, desistiu. Desistiu temporariamente. Disse ao Leão que treinaria
bastante, e quando se sentisse capaz de dar saltos mais altos, retornaria para
tentar novamente alcançar as uvas prometidas.
A notícia de seu fracasso
espalhou-se por toda a floresta. Por onde passava, os animais de bom coração
lhe dirigiam alguma palavra de conforto, os insensíveis escarneciam.
– E aí, dona Raposa, não quis as
uvas porque elas estavam verdes, foi?
– Que nada, meus amigos, estavam
maduras e saborosas, eu é que não fui capaz de alcançá-las... Mas, não desisti,
outras uvas virão e um dia vou consegui-las. Podem apostar suas vidas.
Assim, o tempo foi passando, e a
raposinha ia, vez por outra, testar a sua capacidade. Pulava e pulava enquanto
o leão pastorador a observava pelos arredores da vinha.
– Desista – diziam algumas
raposas amigas sempre que a encontravam pelo caminho, já cansada de tanto
saltar. – Você não precisa dessas uvas para se fartar. Existem tantas outras
coisas ao seu alcance para comer. Para alcançá-las você vai ter que crescer e
conseguir saltar bem alto... E, como bem sabe, as raposas não são altas nem
saltadoras.
Contudo, nada fazia a raposinha
desistir. Pelo contrário, ansiava por provar que um dia seria capaz. Acreditava
que o seu alvo deixaria de ser tão alto se ela se esforçasse e investisse em
suas potencialidades. Por fim, se não conseguisse ser vitoriosa, pelo menos não
tinha sido fraca, recusando-se a enfrentar o desafio.
Depois de muitas tentativas, o
dono da vinha, impressionado com a sua perseverança, resolveu recompensá-la. Disse-lhe
que subisse nas costas do leão velho e escolhesse para si todos os cachos de uvas
que fossem do seu agrado. A raposinha recusou a gentileza, explicando-lhe que
não era dessa forma que gostaria de vencer na vida. Além disso, bem sabia que o
leão era sarcástico e acabaria por lançar-lhe em rosto o favor concedido. Tampouco
queria carregar sobre os ombros o peso de sentir-se incapaz de vencer por si
mesma.
O dono da vinha, então,
ofereceu-lhe um outro presente. Desta vez, uma bolsa de estudo na Universidade
das Rãs Saltadoras, com direito a aulas de alongamento de pescoço ministradas
pelas girafas mestras. De bom grado aceitou, e lá se foi a raposinha sonhadora
cheia de esperança.
Enquanto isso, o leão velho,
sentindo-se o todo-poderoso, muito à vontade, como se fosse o próprio dono da
vinha, mandava e desmandava, decidindo por conta própria quem podia e quem não
podia provar o sabor das altas uvas.
Essa coisa de raposa tentando
alcançar as uvas foi se espalhando até que virou atração para a bicharada.
Todos os anos havia um concurso para escolher a raposa melhor saltadora. Muitos
bichos vinham de longe para se divertir e fazer suas apostas. O fato é que o leão
velho trapaceava, e só ganhava o concurso quem ele queria.
Algum anos depois, a raposinha,
heroína de nosso conto, retornou formada em salto em altura. Sentindo-se
preparada para enfrentar o concurso, inscreveu-se confiante e muitos apostaram
nela. Surpresa: foi desclassificada.
Conversa vai, conversa vem... A
bicharada cochichava entre si que o juiz favorecia as raposas que eram suas
protegidas. A raposinha, sentindo-se injustiçada, passou a observar e
colecionar os atos e os fatos e concluiu que as suspeitas tinham fundamento.
Assim sendo, enquanto o leão velho fosse juiz e organizador do concurso, ela
jamais seria a vencedora. Resolveu, então, fazer uso do privilégio que tinha
com o dono da vinha. Pediu-lhe que lhe desse uma chance de provar que o leão
era desonesto. Provou, e este foi destituído do cargo de juiz, perdendo também
o emprego de pastorador da vinha.
Com um novo leão presidindo a
comissão julgadora não houve mais fraudes. Reconheceram a competência da raposinha,
que passara anos a fio treinando para conseguir vencer, sem favores de
padrinhos. Finalmente ela provou das uvas conseguidas com seu próprio esforço.
A partir de então, muitos vinham até ela para pedir lições de como saltar e
alongar o pescoço para colher muitas uvas usando a boca. Pois é, e ela fazia
isso com muita dedicação.
Sempre otimista, iniciava as suas
palestras dizendo que o candidato deve saber medir a sua capacidade, reconhecer
suas limitações e procurar superá-las. Outro passo importante seria investir na
capacitação e perseverar firme, avançando em direção ao alvo, sem esquecer de
preferir a honestidade para conseguir o que almeja. Afinal, “não há nada que se
faça em oculto que em dias futuros não seja revelado”.
.
.
.
Fonte: Margarete Solange.
Ninguém é Feliz sem Problemas.
Fundação Vingt-un Rosado, 2009.