Escritora de Versos
Margarete Solange
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Acredito que Deus me deu
por herança a capacidade de criar, de esculpir coisas usando as palavras.
Escrevo romances, contos, crônicas e também sou escritora de versos. Tenho a
sina dos poetas: uma solidão interior, inexplicável, mas não sou genuinamente
poeta. Cecília diz: “não sou alegre, nem sou triste: sou poeta”, eu digo de
outro modo: sinto alegria, sinto tristeza, mas não me sinto poeta. Ser
anunciada como tal, soa com certa estranheza aos meus ouvidos.
Imagino
o poeta como um ser especial: aparência angelical, meigo, frágil; manso e
humilde de coração, pacífico sempre! Diferente das pessoas comuns, uma espécie
de sacerdote inspirado de maneira sobrenatural para a missão de fascinar com
versos cheios de sublimidade, musicalidade e beleza. Ser universal, nome que não
tem gênero: é somente poeta, seja homem ou mulher. E esse ser, ao falar, assume
o lugar de qualquer pessoa, não importa sexo, idade, nação ou época.
As
pessoas têm curiosidade de saber como surgem os versos. Perguntam se eles são
sentimentos verdadeiros ou obra de ficção como a prosa. Alguns acreditam que
surgem tão somente trazidos pela inspiração. Quando me perguntam como surgem os
meus poemas, de bom grado respondo. Escrever em versos envolve inspiração,
realidade e ficção também. Já passei para o papel alguns versos que
simplesmente me surgiram na mente, de repente, do nada. Não sei explicar
direito por que eles resolvem surgir repentinamente ou em momentos em que
estamos melancólicos, passando por crises existenciais.
Existem
versos que não são inspirados, são trabalhados passo a passo como acontece na
prosa. Isso não quer dizer que não são sentimentos verdadeiros: são, porque “Um
poeta não mente”... Se contradiz, mas realmente sente o que escreve, embora,
por vezes, não esteja tratando de sua própria dor e emoções.
Dificilmente
saio desacompanhada de lápis e papel, pois nunca sei quando vão surgir ideias
fervilhando em minha mente, querendo escapar de dentro de mim. Isso muitas
vezes acontece nas situações mais inesperadas; assim sendo, se não estou
preparada, tenho que arranjar rapidamente meu material de trabalho e fugir por
alguns momentos para escrever o que está martelando em minha mente, ou magoando
meu coração.
Já ouvi
algumas críticas aos meus versos porque eles são tristes. A verdade é que vivo
as alegrias e registro as tristezas. Acho que muitos são os que assim procedem,
já que os poemas que falam de contentamento são mais raros de acontecer. Ao que
parece, o sofrimento fascina mais que a felicidade!
O fato é
que na alegria estou ocupada demais para escrever, e se escrevo, faço prosa.
Sou melhor recebida pelas pessoas quando estou feliz, despreocupada, realizada.
Então, tenho que aproveitar esses momentos agradáveis em companhia dos que me
cercam. Quando os momentos de melancolia e inquietação desabam, me recolho e
escrevo um montão de palavras, matéria bruta que depois tento lapidar. E, se
“Na tristeza faço versos”[i],
sou grata a Deus porque esses escritos são bem poucos se comparados ao muito
que já vivi.
Acredito
que os poemas são mais belos quando o autor fala do que fere e lateja, daquilo
que queremos ter, mas não temos, nunca tivemos. A saudade é mais sentida e a
dor mais doída. Isso emociona, toca os corações. Faz as pessoas sentir a poesia
de seus próprios pesares.
Quanto
às críticas, elas vão existir de qualquer forma, é natural das pessoas
perceberem montanhas de defeitos quando se trata de um trabalho que não foi
feito por elas próprias. Também faço isso com os trabalhos alheios... Costumo
conversar com os escritores enquanto leio suas obras, e dificilmente não
crítico algo, sempre há algo a reclamar.
Já
escrevi por encomenda para pessoas que queriam dizer algo a alguém mas não
sabiam como fazê-lo. Quando jovem, fiz versos românticos para serem vendidos em
eventos, e também os fiz a pedido de
amigos apaixonados ou desiludidos. Para isso eu ouvia as suas histórias de
amor. Sempre existia relatos parecidos com momentos pelos quais passei ao longo
de minha vida, isso fazia ressuscitar emoções que pareciam não ter mais nenhuma
importância; de forma que, mesmo falando em lugar de outrem, eu me apossava dos
sentimentos que descrevia. Dessa forma, já falei de dores e amores que nem
sempre foram completamente ou genuinamente meus.
Não
poucas vezes, fico grávida de algum tema, então ele pode despontar subitamente
qualquer dia. Já gerei versos prematuros que me deram trabalho para se formar;
abortei alguns, e também me maravilhei com aqueles que já nasceram prontos.
Existem
versinhos desajeitados, coitadinhos, que não agradam ao autor; mas se agradam a
alguém, são publicados. A questão é que sentimos pena de rejeitar completamente
algo que saiu de nossas entranhas. Quando não foi feito por nossas mãos, não
hesitamos em depreciá-los e classificá-los como não publicáveis.
Um
professor de literatura disse certa vez que até mesmo os poetas considerados os
melhores, conhecidos em todo o mundo, além das boas e belas poesias, escrevem e
publicam bobagens. Concordo com esse crítico. Mas tenho aprendido que às vezes
aquilo que não agrada a uns, emociona a outros.
Na
adolescência eu escrevia por necessidade, e imaginava que aquilo que eu
escrevia não interessa as pessoas. Agora, quando escrevo, penso naqueles que
vão ler, e almejo tocá-los. A partir de conversas com os leitores ao longo
desses anos, creio que já não escrevo somente o que sinto, mas o que aflige e
emociona muita gente que se vê refletida nas palavras que saem, ora de minha
mente, ora do meu coração.
[i] Crônica de apresentação da
2ª edição do livro Um chão Maior.