O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Uma máxima


Toda pessoa que já provou do amor incondicional de um cachorro, sente falta de tal devoção em seu dia a dia, até mesmo por parte daqueles que costumeiramente são considerados melhores amigos.

Margarete Solange

do livro Contos Reunidos,
Sarau das Letras,2014, p. 190
Foto de Felipe Galdino

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O Segredo

conto de Margarete Solange


Eram vizinhas havia algum tempo. Quando passavam uma pela outra, não se olhavam. A jovem andava como que na ponta dos pés, altiva, nariz empinado. Mais parecia uma princesa que, por habitar em meio aos pobres, odiava a todos em seu derredor. E odiava mesmo. Repetia isso em pensamento sempre que cruzava a passarela do abrigo onde morava.
A moça virava-lhe o rosto. A velha nem se importava com as suas demonstrações de desagrado. Aliás, nem notava-lhe a presença ou a ausência. Desde que o marido morrera, ficara assim, desgostosa da vida. Cabisbaixa, melancólica, parecia-lhe que o mundo era desbotado, desprovido de cores. Amofinava-se dia a dia, como se o seu mundo estivesse encolhendo: encurtava-se o alcance de sua visão e da audição. Não que estivesse surda ou enxergasse mal. A questão é que nada à sua volta lhe interessava. Estava na vida unicamente esperando a morte, mas esta, de propósito ou de tão ocupada, esquecia-se dela. A velha sentava-se no banco do jardim e lá ficava por horas, quieta, observando os pássaros como se nada visse.
         Contemplar a anciã não lhe fazia bem. Era como se visse a si mesma em dias futuros: velha e sozinha. Ela bem que poderia ir morar em outro abrigo; afinal, naquele só havia pessoas jovens, e ela estava velha demais.
Estavam ali pelo mesmo motivo: não tinham para onde ir. O abrigo era uma espécie de casa de caridade. Um lugar aconchegante, organizado e, sobretudo, não lhes custava nada. O jardim e o quintal eram bastante espaçosos e arborizados. A Casa Grande tinha um estilo antigo, rodeada de alpendres. Na parte de trás foram construídos, de cada lado, três quartos. A jovem e a velha moravam na mesma ala, do lado esquerdo.
Da janela de seu quarto, a jovem contemplava as flores singelas que coloriam o pátio. Elas não tinham dono, ninguém as regava ou cuidava, mas estavam por toda parte. Somente a velha enfeiava o jardim com a sua presença. Desagradava-lhe cada detalhe de sua fisionomia: os olhos tristonhos, semblante melancólico... Os seus passos lentos, a bengala, o cabelo branco... Um quadro triste que lhe trazia pesares.
         Dia após dia, a morte esquecia-se de seu compromisso com a velha. A jovem dividia com ela a mesma parede de seu quarto, e isso a entediava. Nenhum ruído ouvia, a vizinha não falava. Caminhava com passos suaves, dentro de casa não usava bengala, não precisava, adotara a bengala como se fora uma companhia, a fim de sentir-se menos desamparada. Ela nem mesmo batia com o talher no prato, talvez sequer comia. Era uma morta viva que, à noite, tossia muito e roncava alto.
         De repente, a moça passou a elevar a voz ao telefone, falando como que para surdo ouvir. Contudo, a velha nem surda era, escutava muito bem e, mesmo sem se interessar pela vida alheia, ouvia, porque a vizinha não tinha bons modos. Em alguns momentos chegava a gritar com o seu interlocutor. Por vezes, era doce, mas ainda assim não suavizava o tom da voz.
         – Tá bom, amor, eu entendo. Não, não estou zangada... Mas no próximo final de semana a gente se vê, né?... Estou morrendo de saudade.
         Em outro dia:
         – Nessas horas lembra que tem irmã, né? – alguns instantes em silêncio. – Tá bom, eu faço, mas não fique acostumadinho, não, viu, feinho? Tá eu faço... Vou quebrar o seu galho, irmãozinho.
         Numa amorosa conversa com a mãe:
         – Sinto tanta saudade, mãezinha. Você bem poderia vir morar comigo... E daí? Ele não é mais criança. Já tá na idade de casar... Eu, não! Primeiro vou me formar. Tá bom, mãezinha, não quero discutir... Tudo bem... Tá certo... Beijo.
         E assim a velha se habituou a saber tudo o que se passava na vida da vizinha só de ouvi-la falando ao telefone com o irmão, o namorado e a mãe, a quem carinhosamente chamava de “mãezinha”.
         Ao passar pela velha, fingia não vê-la. Sabia que ela a ouvia falar ao telefone e a censurava por essa sua indiscrição; no entanto, não abaixava o tom da voz. Falava alto e explicado. Queria se fazer ouvir.
         No dia em que a vizinha não falava ao telefone, a velha estranhava. Acostumou-se a ter o seu silêncio quebrado pelas conversas desastradas da mocinha.
         Com o passar do tempo, a voz, que já possuía em sua essência um tom autoritário, foi tornando-se agressiva.
         – Pois que fique com ela. Acha que vou correr atrás de você? Rastejar a seus pés... Falo do jeito que eu quiser. E eu lá me importo se esse povo fofoqueiro fica escutando as conversas dos outros... Deveria arranjar o que fazer ao invés de ficar se importando com a vida alheia. Ora essa...
         Em seu quarto, a velha, que ouvia a conversa sentada numa poltrona, entendendo que a vizinha se referia a ela, levantou e fechou-se no banheiro. Continuava ouvindo os gritos da moça xingando o namorado. Não tinha como não ouvir. Após essa discussão, não voltou a ouvi-la falando com o rapaz. Por dias, tentou não ouvi-la, mas não dava para evitar nem mesmo tendo o rádio ligado junto ao ouvido. Do modo como a outra falava, era obrigada a escutar toda e qualquer conversa que tivesse ao telefone. Assim, novamente a velha acostumou-se com a tagarelice da vizinha, de maneira que se ela não falava, sentia falta. Tempos depois, a moça passou a agredir o irmão com palavras ferinas e acusações descabidas.
         – Liga porque quer. Eu vivo muito bem sem você... Você só me liga para pedir favores. Você é um chato, eu te odeio.
         Não demorou muito, passou a agredir a mãe de igual modo.
         – Mãezinha, quer saber? Suma da minha vida. Desapareça. É... Isso mesmo... Eu nem gosto de você de verdade. Vivo muito bem sozinha, não preciso de você para nada. Falar com você toma o meu tempo, atrasa a minha vida. A partir de hoje não quero falar com você nunca mais.
         Gritou e xingou a mãe, depois se calou. A velha apurou o ouvido e ouviu que a moça chorava. Como pode uma filha referir-se à mãe tratando-a de modo tão desaforado? Não se conteve. Indignada, deixou o seu quarto e, sem se preocupar em moderar os modos, bateu à porta da vizinha.
         Tão logo a moça abriu a porta, lançou-lhe em rosto um monte de verdades. O irmão e a mãe tinham razão, ela era insuportável, egoísta. Não tinha modos de falar nem com a própria mãe. Por causa do mau gênio, perdera o namorado, intrigara-se com o irmão. Pretendia matar a mãe de desgosto?
A velha sequer parava para se recompor. Disse tudo que queria, com a mesma afobação com que a outra agredira a mãe e o irmão. A moça suspendeu o choro e, parada a sua frente, escutava, quieta, todo o sermão. Desorientada, a velha pôs-se a repetir as palavras já ditas.
         – É isso que você quer? Matar a sua mãe de desgosto? Quer que ela morra? Hein, é isso que você quer?
– Eu sempre quis que alguém me desse um sermão como esse. Que me dissesse umas verdades direcionadas somente a mim... Entre. Vou trazer-lhe um pouco de água.
A velha bebeu em silêncio, estava mesmo precisando.
         – Sempre desejei que alguém se importasse comigo...
         – Ah, mas sua mãe deve se importar, sim. O fato é que você é muito temperamental... Sua mãe, coitada, deve estar até passando mal nesse momento. Você deveria ligar para ela e pedir desculpas...
         – Não vou fazer isso.
         – Pois saiba que acho que a sua mãe é quem está coberta de razão.
         – Não existe mãe nenhuma. Não existe irmão, nem namorado... Não existe ninguém.
Confessou-lhe que fingia falar com pessoas ao telefone porque não queria que os vizinhos soubessem que era sozinha no mundo. Achava muito humilhante não ter ninguém. Queria ser como as outras pessoas que tinham uma família, irmãos com quem brincar e, até mesmo se desentender...
         Vivera num orfanato, até que, aos dez anos, uma família a levou, dizendo que cuidaria dela; porém a escravizaram, forçando-a a realizar serviços domésticos intermináveis, impedindo-a de estudar. Preferiu fugir e começar a vida morando na rua.
         Foi convidada para morar no abrigo pelos administradores, o casal que morava lá. Foram eles também que lhe conseguiram emprego. No trabalho, ouvia uma colega falar ao telefone com a mãe, tratando-a por mãezinha. A partir de então surgiu-lhe a ideia de ter uma família imaginária. Depois, inventou também o namorado. Ter alguém para chamar de mãezinha era a coisa que ela mais desejava na vida.
         Sara ouviu a moça por algum tempo. Sentindo-se tola, não sabia o que dizer. Por fim, retirou-se pesarosa.
Nos dias que se seguiram, Mara passou a ir ao encontro da velha sempre que a via solitária no banco do jardim. Com o tempo, ganharam a confiança uma da outra. Sara, então, sugeriu que se tornassem uma família, afinal ambas eram sozinhas: seriam neta e avó. A moça não quis. O seu grande sonho era ter alguém para chamar de mãezinha. Se ela a quisesse como filha, aí sim, poderiam adotar uma à outra.
Como Sara resistisse, achando-se velha demais para ser mãe, Mara quis saber se ela dispunha de algum dinheiro que pudesse gastar, a fim de tornar-se uma mãe mais jovial.
A mudança foi notória. A velha parecia outra pessoa, rejuvenescera uns vinte anos. Aliás, ela não era tão velha quanto parecia. A solidão e a melancolia é que a fizeram envelhecer precocemente.
Fora casada por quase trinta anos. Não pôde ter filhos, e o marido não desejava tê-los por adoção. Nunca tivera parentes, além do marido. Da infância, tinha lembranças tristes. Combinaram, então, nunca mais falar sobre o passado. Viveriam o presente, tentando melhorar o futuro.
Mara sonhava ter uma casa de verdade, que não fosse um orfanato, um abrigo. Queria também ter um irmão. Assim, sairiam juntos, conversariam, discutiriam, depois fariam as pazes.
Como Sara não tinha sonho algum, ajudaria a moça a realizar os dela. Sugeriu que Mara se aproximasse do vizinho. O rapaz parecia ter entre dezoito e vinte anos, seria o irmão ideal. A moça se opôs.
– Nunca! Odeio aquele cara.
– Por causa da cor?
Não era preconceituosa. Passara a detestar o vizinho porque ele fazia comidas com cheiros irresistíveis, e ela jantava umas poucas bolachas secas com café, e às vezes continuava com fome, especialmente quando ele cozinhava à noite. Por causa disso, e porque cantava hinos com voz desentoada, ela o antipatizava. O rapaz fazia a sua fome aumentar, e as suas bolachas terem gosto ruim. A moça precisava economizar para ter uma casa própria, não podia fazer gastos excessivos, por isso comia mal.
No abrigo, todos tinham em comum o fato de serem pessoas solitárias e pobres, resgatadas da rua. Por se sentirem excluídos, eles eram hostis; porém, de todos, Martin era o único que parecia feliz. Com um largo sorriso sempre estampado no rosto, demonstrava ter um coração sincero e bondoso. Seria o irmão ideal. Deixar de odiá-lo não seria difícil, além do mais, a moça ganharia um irmão com talento culinário que ela, conforme confessara, não tinha.
O trato foi o seguinte: passaria um bilhete por baixo da porta do quarto do rapaz, perguntando qual seria o seu grande sonho. Se ele respondesse “ter uma casinha”, então seria aceito como o novo membro da família. A resposta ao bilhete foi deixada no local indicado, debaixo de uma pedra num recanto do jardim. O seu maior sonho era ter o seu próprio restaurante. Sara já se sentia desapontada pelo fracasso de seu plano, quando, subitamente, percebeu que havia algo escrito no verso da tirinha de papel. Leu em voz alta o que estava escrito. Emocionaram-se. Ele também desejava ter uma família.
Martin trabalhava na cozinha de um restaurante que não ficava muito longe. Seria um bom começo jantarem lá. O ambiente era requintado, e assim sendo, o jantar não deveria ser barato. Mas como a velha contou-lhe que recebia uma pensão deixada pelo marido, e sabendo que ela não tinha sonhos nem vaidades, a outra imaginou que não se importaria de gastar com certas extravagâncias.
– A senhora paga?
– Dividimos a despesa.
Sara não desejava ser explorada. Queria que a moça a amasse, como se lhe fora verdadeiramente a mãe, sem qualquer outro interesse, especialmente financeiro.
O plano deu certo: fizeram amizade com o rapaz, e ele de bom grado aceitou entrar para a família das duas vizinhas. Ele era simpático e divertido. Tinha ideias revolucionárias. Trabalhava e estudava, almejava se formar em sociologia; fora indicado para morar no abrigo pela pessoa que lhe estendeu a mão, oferecendo-lhe emprego.
Os três moravam na mesma ala do abrigo. Mara, no quarto do meio, e os dois, um de cada lado. Nas ocasiões em que Martin estava em casa também ouvia as conversas desastradas da vizinha, falando ao telefone com a mãe, o irmão e o namorado. Ao saber que eram pessoas imaginárias, confessou que, em alguns momentos, chegou a considerar essa possibilidade.
Nos dias em que Martin tinha folga, juntavam-se para conversar e sonhar com a nova morada. Sentiam-se felizes só de imaginar como seria viver juntos na casa que teriam. Sempre que se reuniam, falavam sobre o mesmo assunto. Com o dinheiro que estavam guardando, comprariam uma boa casa. Começariam vendendo marmita, e assim conseguiriam dinheiro para abrir um restaurante.
Sara sentia-se tão realizada que lhe custava crer que era real a sua felicidade. Sempre desejou ter filhos, e na juventude jamais os tivera. Na velhice, o seu desejo concretizou-se. Ela queria que ficassem ali mesmo; afinal, não pagavam nada e no abrigo havia um quintal enorme e jardim como os filhos queriam. Mas eles desejavam muito ter uma casa própria.
A velha lembrou-se da história de John Steinbeck, e se entristeceu. Lennie era somente uma criança grande, não merecia morrer. Ele adorava quando o amigo George lhe dizia como seria o ranchinho que eles comprariam com o dinheiro que conseguissem juntar no novo emprego. Chorou, e não quis dizer aos filhos o que temia. Antes, a ideia de morrer não a assustava. Após o falecimento do marido, esperava que a morte não se esquecesse dela por muito tempo. Às vezes, até a esperava ansiosa; tinha pressa. Por esses dias, talvez a morte viesse buscá-la antes que estivessem vivendo na nova morada.
Voltou a sentir-se melancólica e abatida. Se um dos três tivesse que morrer, que fosse ela. Mara e Martin eram tão jovens, estavam só começando a vida. Confessou o motivo de sua angústia. Comprou o livro “Ratos e homens” e deu para os filhos lerem. Eles se emocionaram com a história, mas acharam infundados os seus maus pressentimentos.
– Na nossa história, mãezinha, ninguém vai morrer, eu prometo. Vamos ter nossa casinha e ser uma família feliz.
A convicção da filha quase a convenceu. Sara, então, quis saber o porquê de ela ter tanta certeza daquilo que dizia.
– Fácil! A autora da nossa história é uma mulher. Geralmente as mulheres não são dadas a cometer crimes.
Pensou em algumas escritoras que foram cruéis com os seus personagens. Piorou da apatia e adoeceu gravemente. Os filhos queriam usar o dinheiro que estavam economizando para levá-la a um médico particular e interná-la numa boa clínica; Sara não aceitou. Os dois se desesperaram. Não queriam que ela morresse, e para livrá-la da morte estavam dispostos a dar tudo que tinham.
Ela então lhes entregou uma significativa quantia que tinha guardada, e pediu que juntassem com as economias que eles tinham para comprar uma casa espaçosa, bonita e aconchegante. Seu último desejo era morrer feliz ao lado deles.
Dia após dia Sara piorava. Os filhos faziam tudo que podiam para ajudá-la a viver. Numa de suas pioras, confessou que guardava um segredo. Havia escrito uma carta, mas eles só deveriam lê-la depois que ela morresse.
Mandou que trouxessem, para consultá-la, um médico conhecido seu, que morava numa cidade vizinha. O doutor fez uma consulta demorada, e diagnosticou tuberculose. O caso era grave. A cura seria lenta, e dependia de cuidados. Receitou alguns medicamentos, que ele mesmo tratou de providenciar. Orientou aos filhos da paciente que ministrassem os remédios rigorosamente nas horas prescritas.
Sara apreciava vê-los empenhados em sua recuperação. Gostava de ter se tornado a mãe que eles a fizeram ser. Sentia-se amada, e o fato dos filhos demonstrarem o quanto ela era valiosa já tinha feito o pouco tempo de vida ao lado deles valer a pena.
Mandou que o doutor levasse a carta consigo. Logo que ela morresse, ele deveria trazê-la para que os filhos a pudessem ler.
Sete meses depois, o médico recebeu um telefonema pedindo que viesse vê-la, e que trouxesse a carta consigo. Tão logo ele apresentou-se no portão, Mara apressou-se em recebê-lo. Estendeu-lhe a mão, e com voz autoritária, pediu-lhe que lhe entregasse a carta.
No semblante da jovem não havia qualquer sinal de luto ou tristeza. O médico sentiu um profundo pesar. Tinha pela velha amiga grande estima. Não achava que ela partiria; afinal, nos últimos dias, tinha tido grande melhora. A melhora da morte, pobrezinha. Entregou-lhe a carta.
– A que horas ela faleceu?
– Faleceu, o quê? Ficou doido? Fizemos uma feijoada para comemorar a recuperação de nossa mãezinha. Como você é um grande amigo, resolvemos convidá-lo.
Rasgou a carta em pedacinhos.
– Já que ela não vai mais morrer, o meu irmão e eu combinamos destruir a carta. Daqui a uns cem anos ela faz outra igualzinha – E com um largo sorriso de felicidade, conduziu o convidado pela lateral da casa.
Sara vira tudo pela janela de seu quarto. Saber que os filhos que a adotaram na velhice a amavam verdadeiramente era o que mais desejava na vida. Sentindo-se feliz e realizada, ainda viveria por muitos anos. Qualquer dia, escreveria outra carta igual àquela ou, quem sabe, falaria com os filhos abertamente sobre o assunto que até então preferia ocultar.











.Margarete Solange,Contos Reunidos,
Sarau das Letras,2014, p. 35-44

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

No meio do nada

             poesia de Margarete Solange
Cinquenta anos...
E eu aqui sentada no meio do nada,
Plagiando a mim mesma...
Melancólica!
Lá fora o mundo se estende
Moderno, prático, carrasco!
Encarcerada em minhas próprias paredes,
Lamento as horas perdidas.
Para sentir-me realizada,
Tento crescer em palavras
E busco a lógica da vida.
Vão-se os anos...
E eu sem realizar grandes feitos,
Da varanda contemplo as estrelas,
Sonho viajar pelo mundo,
Compreender as pessoas,
Entender a mim mesma.
E se eu plantasse uma árvore,
Esse feito me traria grande contentamento?
Nem mesmo sei o que seria grande,
O que seria belo demais para o mundo.
Que feito grandioso poderia
Brotar de um peito tão singelo?
Tenho braços curtos, pernas lentas,
Olhos limitados.
O pensamento voa alto como águia,
Mas o pensamento é algo irreal,
Não é concreto, é vento!
E a águia fascinante em quem me inspiro,
Imponente personagem das fábulas,
É um bicho do deserto...
E não tem melodioso canto.
Ser pequeno parece mais verdadeiro!
Belas epopeias, tudo ficção,
Somente na dureza do dia a dia,
Na injustiça e no trágico,
O mundo se faz mais real.





Margarete Solange,
Inventor de Poesia, 

2ª edição, 

2014, p. 30 
Fotografia de 
Jorge Luiz



sábado, 19 de setembro de 2015

Fazenda Solidão, 2ª edição

SINOPSE 

A velha casa construída pelos antepassados do escritor fica isolada num alto depois da Curva da Morte. Na Fazenda Solidão a paisagem é fascinante, um lugar cheio de encantos naturais que inspiram Rodrigo a escrever romances e poesias. Sua vida está plantada como profundas raízes no chão do lugar; no entanto, por causa das muitas dívidas contraídas pelo irmão mais moço, a propriedade terá que ser vendida. Elizabeth, herdeira das terras vizinhas, propõe comprar a fazenda, porém impõe uma condição que Rodrigo a princípio não quer aceitar.


TRECHO DA OBRA

Um pequeno pássaro pousou sobre a parede da janela que abria para o pátio da frente da modesta casa do escritor. A avezinha movia a cabeça de um lado para o outro e piscava os seus olhinhos redondos. Instantes depois, voou atravessando o aposento em direção à janela de onde podia ser visto o nascer do sol. Desviou rapidamente o seu curso inclinando uma das asas para baixo, sobrevoou a mesinha sobre a qual estavam alguns papéis e a máquina de escrever e se foi, saindo pela janela de onde se podia observar, durante o dia ou em noites de lua cheia, a cancela da fazenda. Embora essa fosse uma cena corriqueira, Rodrigo acompanhou atenciosamente a trajetória do visitante alado. Um poeta busca enxergar a beleza das pequenas coisas.

SOBRE A AUTORA 

Nascida em Natal, Margarete Solange, escritora e professora, escreve em verso e prosa. Apaixonada pela leitura desde a infância e dotada de capacidade criadora, principiou na adolescência a escrever poesias, crônicas e peças teatrais. Autora de dez obras publicadas, recebeu premiação em concurso literário, na categoria contos, pela obra Ninguém é Feliz sem Problemas (2009) e pelo conto A intrusa (2014).

sábado, 16 de maio de 2015

Santa Fé x São Bernardo

Texto de Vitória Lima

Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. A arte é sangue, é carne. Além disso, não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos.”  
                                          Graciliano Ramos

Com esta citação, Margarete Solange Moraes, escritora de Natal, RN, dá início ao seu romance “Santa Fé” (Mossoró, RN: Sarau das Letra, 2014).
A admiração da escritora pelo autor alagoano vai se delineando aos poucos na narrativa, a partir dos títulos das obras. Ambos os romances (“Santa Fé” e “São Bernardo”) referem-se às propriedades rurais nas quais se desenrolam as respectivas ações. No romance de Margarete Solange temos como protagonistas a professorinha Jaqueline e o dono de terras Seu Ricardo, que em muito se assemelham aos protagonistas de Graciliano Ramos em “São Bernardo”: a professora Madalena e o também dono de terras Paulo Honório. Os conflitos desenvolvidos pela trama, a luta pelo poder dentro da relação, são claramente delineados tendo o romance de Graciliano no background. Esta comparação é mesmo explícita e muitas vezes “São Bernardo” é citado pelos protagonistas de Margarete Solange. Seu Ricardo, como Paulo Honório, é um homem autoritário, sisudo, de barba fechada, mãos ásperas e segue à risca o modelo do “Byronic hero”, o herói bairônico, que tem como inspiração o herói Heathcliff, protagonista do romance “O Morro dos Ventos Uivantes” de Emily Brontë. Aliás, este modelo de homem rude ainda hoje exerce grande atração sobre a imaginação feminina, haja visto um personagem recente, o Capitão Herculano da novela “Cordel Encantado” da Rede Globo, que tanto impressionou o público feminino.
Mas a autora Margarete Solange faz questão de atualizar sua trama e questiona o desfecho dos romances vitorianos, ou mesmo de alguns mais modernos, mais desconectados com a revolução das mulheres. Em trecho metalinguístico, perto do desfecho da sua obra, ela diz:

Nada acontece num romance sem que o autor consinta [...] Sei que se ela (a sua própria narrativa) fosse escrita por um romancista de outros tempos, ele certamente incluiria os capítulos finais narrado a morte do personagem principal [...] Vendo por outro lado, seria até interessante que, nas narrativas atuais, o homem saísse de cena para que o destaque ficasse com a mulher. Esse desfecho seria assim como que um retrato de minha época: a mulher ganhando espaço, superando a fragilidade, mostrando ser capaz de liderar, firmando-se nos próprios alicerces, sem ser necessariamente amparada pelo braço masculino. Noutros tempos, quase sempre era a heroína quem morria no final da história. (Santa Fé, pp. 157-158).

Embora muito se questione ainda hoje a relevância da questão da autoria feminina versus a masculina, considero que nos dois romances em questão a autoria e a escolha dos respectivos narradores determinam o desfecho da trama. Em “São Bernardo”, o personagem Paulo Honório é também o narrador da sua própria história:

Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cinquenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo tem-me rendido muita consideração. Quando me faltavam estas qualidades, a consideração era menor.  (São Bernardo, Rio: Record, 1979, p. 12).

Em “Santa Fé”, a narradora é a própria protagonista, Jaqueline, uma jovem de 25 anos, em busca de sua realização pessoal e profissional. A autora não tenta esconder as fraquezas de sua heroína/narradora, apresentando-a, às vezes, como uma pessoa calculista e, como ela mesmo se define, “esperta”. Muito diferente da indefesa Madalena de Graciliano. Esta “esperteza” a impede de cair em depressão ou entregar-se ao desânimo quando vê seus planos caírem por terra. Pelo contrário, aos poucos ela vai conquistando os corações mais empedernidos que a cercam e mesmo o seu selvagem marido termina sendo “domado”. Ela consegue aplacar o seu ciúme (lembro aqui que Seu Ricardo, como Paulo Honório, é um homem rude, mais velho e, às vezes, sente-se diminuído perante a mulher, mais jovem e instruída, com um diploma de professora  e,  por isso mesmo, com um melhor domínio das palavras). A aparência pouco cuidada dos dois personagens masculinas contribui para que se sintam inseguros quanto ao amor de suas esposas, mais jovens, educadas, delicadas, cultivadas. É interessante observar também a ênfase que os dois autores põem sobre as mãos desses personagens: ásperas, calejadas pelo trabalho no campo. No caso de Paulo Honório, grandes e cabeludas, o que as torna até um pouco assustadoras: mãos de ogro. Mas o parágrafo final de “Santa Fé” não deixa dúvidas quanto ao acordo celebrado pelo casal, que consegue superar as diferenças e viver em harmonia. E é também interessante observar que a mulher passa a cuidar das mãos do marido com cremes e massagens, uma atitude simbólica que a ajuda a conquistar-lhe a confiança. O pragmatismo e o interesse, que tinham antes aproximado Jaqueline e Seu Ricardo, transformam-se em afeto verdadeiro, em confiança mútua:

A partir de então, procurei passar mais tempo ao lado do meu marido. Ele aproveitava para me ensinar a administrar todos os negócios que mantinha nos limites da fazenda Santa Fé.  (Santa Fé, 2014, p.162).

A chave de tudo está na escolha dos narradores, no ponto de vista adotado por cada escritor: Margarete Solange, escritora contemporânea que se identifica com as questões relativas à luta das mulheres, escolhe uma figura feminina que melhor se aproxima de suas simpatias, como narradora. Já Graciliano, um nordestino às antigas, elegeu como narrador um homem, que bem representa os homens rudes e secos com quem conviveu no Nordeste alagoano.  





Vitória Lima,
Escritora Brasileira: 
Poetisa e Professora de Inglês e Literatura.
Autora de Anos Bissextos (1997)
 e Fúcsia (2007).
O texto Santa Fé x São Bernardo
está publicado no Jornal "A UNIÃO"
2º Caderno - Vivências
João Pessoa, Paraíba, 2015
 Quarta-feira, 1 de abril, página 6.
http://issuu.com/auniao/docs/jornal_em_pdf_01-04-15

sábado, 9 de maio de 2015

Agraciada

            poesia de Margarete Solange

Quem é esse anjo que cuida
Da criança doente,
E com mãos leves
Afaga a cabeça carente?
Nas madrugadas silentes,
Pacientemente vela.
Ao longo de sua existência
Zela, exorta, ensina e ama.
Sabiamente aconselha,
E com instinto sobrenatural
Pressente o mal.
Essa pessoa tão terna
Que ao seio alimenta,
Com os braços acalenta
E com a voz doce
Canta canções de ninar,
É uma mulher virtuosa,
Cheia de graça e firmeza,
Que da fragilidade extrai fortaleza,
E se diz bem-aventurada
Por ter sido agraciada
Com a bênção de ser mãe.




Fonte:
Margarete Solange.
Inventor de Poesia 
2ª edição
Oito Editora, 2014,
p. 54

terça-feira, 5 de maio de 2015

Prefácio da obra - O Velho e a Menina

José Roberto Alves Barbosa

Santiago e Ilmar, dois velhos. Ambos aprenderam a enfrentar as agruras da vida com resignação. Aprendi a admirar Santiago muito cedo. Fui apresentado ao velho Santiago por um senhor americano, também velho, chamado Hemingway. Ressaltou o fatalismo de Santiago na tentativa de fisgar um grande peixe. Descobri, então, que Santiago era pescador. Hemingway disse-me que, para aquele velho cubano, pescar era um ritual religioso e, como tal, o holocausto se fazia necessário. Compreendi, assim, a exigência do sacrifício.
Em todo sacrifício há derramamento de sangue, por isso Santiago não só feriu, também teve que ser ferido e aspergir o produto de seu esforço com o próprio sangue. A maior dor que o velho teve que enfrentar foi a frustração de não obter o peixe tão desejado. Fora comido pelos tubarões. Devoraram tudo, não só o seu amigo peixe, mas também seus sonhos e expectativas.
Ilmar também teve os seus sonhos literalmente castrados. O amor desiludido, a dialética relação entre a esperança e o desencantamento permeava sua mente. Ouvi de Santiago, pelas palavras de um homem, mas foi uma mulher que me contou de Ilmar. Margarete destacou dilemas e frustrações do velho angustiado. Pela formação religiosa que lhe é inerente, Margarete preferiu ressaltar a comicidade e os resultados da experiência do velho Ilmar. Fiquei encantado com a história do velho, também sofredor. Em face da penumbra de sofrimento que acompanha Ilmar, acabou sendo inevitável fazer associações entre os dois velhos: Santiago e Ilmar. Por conhecer os lugares por onde passou Ilmar, acabei me identificando com o cenário em que ele viveu. Às vezes, chegava a me ver caminhando nas praias de Pirangi e Areia Branca. Pelo mar. Ou la mar como preferiria Santiago. Naquelas praias, Ilmar encantava os jovens contando suas estórias. É claro, todo velho, às margens de uma praia, adora contar estórias! Mas com Ilmar era diferente. Contar estórias era como lançar sementes na terra. Participar do processo criador. Construir, ao mesmo tempo, sonhos e ilusões. Celebrar a vida.
Desde cedo, Ilmar percebeu que a vida vale a pena, quando conseguimos lhe dar sentido. Com as estórias do velho sofredor, constatamos que o homem se recusa a ser o que lhe dizem que é. Por isso, através da arte, busca transcender. A arte e a religião transcendem o homem. O próprio Deus revela-se, também na arte. Na poesia de Davi. Nos cânticos de Salomão. Na mensagem profética de Isaías. Na descrição filosófica do logos em João. Talvez seja, por isso, difícil de desassociar a arte de Deus. Hemingway e Margarete partem desse pressuposto. Hemingway, mesmo marcado pelo ateísmo, não conseguiu se desvencilhar da sombra da imagem do sofrimento humano, especialmente o de Cristo. Margarete, ao contrário de Hemingway, respira a fé cristã, por isso não tem receio de inserir, comparar e aplicar trechos bíblicos em sua interpretação do sofrimento.
Seguindo a arte de contar estórias, tanto Hemingway quanto Margarete comungam uma temática evidente no percurso filosófico e cristão. A questão do sofrimento humano. Sofrer talvez seja uma condição existencial.
Deixo-vos, portanto, com a narrativa de Margarete sobre o velho Ilmar, seguindo, com suas palavras poéticas, os desafios enfrentados pelas limitações da vida humana. Se o caro leitor ainda não conhece Santiago, recomendo que o faça. Enquanto isso, ouça a voz de Ilmar. Valerá a pena. No final, como eu, o caro leitor, também, será grato a Margarete por nos legar mais essa porção de sua habilidade literária e concluirá, como Hemingway, que o homem pode ser destruído, mas nunca derrotado.

Julho de 2001




O Velho e a Menina
Margarete Solange.
Oito Editora, 
Natal, 2014, 142 p.
Prefácio de: 
Jose Roberto Alves Barbosa
Foto da capa:
Felipe Galdino



domingo, 8 de março de 2015

Simplesmente Mulher

                   poesia de Margarete Solange

Uma mulher... 
Poesia para os olhos,
 
Delicada, gritante.
Afaga e inquieta a alma. 
Criação do artista que pinta com palavras,
Que compõe versos no barro poético.
Uma mulher é uma composição buliçosa, 
Sem rima, sem métrica, sem certezas.
Inspirada, ambígua, complexa!
Uma sucessão de metáforas, 
Uma alegoria.
Despida de regras: 
Solta, livre... Nua, pura, 
Nem pecadora, nem santa: sem lógica! 
Verdadeira ou duvidosa. 
Bela... Enganosa! 
Sem querer, se faz ser...
Se impõe em versos,
Sendo o inverso, o universo...
Uma mulher é uma pintura única, rara!
Que não se imita, que não se explica.
Em preto e branco ou em cores...
Esplendorosa!
Submissa, contraditória, sagaz! 
Antiga, moderna, atemporal.
Perfeita ou imperfeita: grandiosa!
Arte dominadora e indomada,
Obra prima universal.
Uma mulher é uma mulher
E não precisa ser mais nada!




Fonte:
Margarete Solange
Inventor de Poesia, 
Oito Editora, 2ª, 
2014, p.38 

Fotografia de
 Felipe Galdino In
 Felipe G Fotografia

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Escritora Margarete Solange: trechos de obras



Esse medo que temos de tentar e fracassar muitas vezes nos derrota. Somos capazes, Mas ele diz que não somos, e preferimos acreditar nele, duvidando de nós mesmos. (Trecho do Romance O Velho e a Menina, p 135).
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É natural do ser humano querer ser admirado por seus feitos, e ser considerado grande mesmo na sua pequenez. E para ser grande é preciso perseguir os ideais até alcançá-los, ou morrer lutando sem desistir jamais da batalha. (Trecho do romance O Velho e a Menina, p 120).
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A leitura é o princípio e o meio, a morte é fim. (Trecho do conto CRIANÇAS, em Contos reunidos, p 98).
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Imagino que toda pessoa que já provou do amor incondicional de um cachorro, sente falta de tal devoção em seu dia a dia, até mesmo por parte daqueles que costumeiramente são considerados melhores amigos. (Trecho do conto UMA QUESTÃO DELICADA Contos reunidos, p 190).
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O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura, será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.  (Trecho do conto CRIANÇAS, em Contos reunidos, p 98)

Nós, mulheres de todas as profissões, temos ganhado mais espaço. Não temos a força bruta dos homens e, se assim fosse, isso só aumentaria a violência no mundo; no entanto, temos muita coragem, ousadia e vontade de vencer e isso, sem dúvida, remove muito mais obstáculos que os músculos. (Trecho  do romance O silêncio das lembranças, p. 13).
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Para onde vai a criança que fomos um dia? Por acaso se perde no tempo?... morre?... se vai?... – Não. Está dentro de nós, até o fim de nossos dias. (Trecho do romance O Silêncio das lembranças, p. 84).
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O leitor apaixonado se abestalha quando lê um livro; ri, chora, reclama... Conversa com o autor em voz alta, critica, elogia, intromete-se, dando opinião, por fim, abraça o livro com saudade logo que a história termina. Isso é lindo! Se você é assim, sinta-se homenageado. Mas veja só: esse tipo de abestalhamento não tem cura não. E mais que isso: é contagioso e é contagiante. (Trecho do conto O ENCONTRO DE DOIS CONTOS, em Contos Reunidos, p 133).
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Toda mulher, seja mãe ou tia, precisa de mimos e de um tempinho de folga para cuidar de si. Quando estão felizes, elas conseguem ser pessoas meigas, como no íntimo elas realmente o são.  (Trecho do conto: UMA QUESTÂO DELICADA; em Contos Reunidos, p 190).
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Um poeta busca enxergar a beleza das pequenas coisas. (trecho do romance Fazenda Solidão).
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A leitura é para mim uma companheira inseparável. Quando leio, converso com os livros, concordo ou discordo dos autores, às vezes choro ou dou boas gargalhadas. (Trecho do conto CRIANÇAS, em Contos Reunidos, p 98).
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A verdade é que o significado das palavras por vezes tem traduções diferentes, dependendo do querer de algumas pessoas. (Trecho do romance Santa Fé, p. 31)
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Existe sempre algum dono disposto a vender por bom preço aquilo que tem. (Trecho do romance Santa Fé, p. 32)
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Nos limites da imaginação e da mão daquele que cria, tudo se aproveita, nada se extravia. Na vida e na morte, no riso e no pranto, com uma pitada de sal, aumentos e descontos, temperam-se os pontos que se transformam em contos. Tudo se recria: fatos reais, sobrenaturais, o enredo que se lê e o incidente que se conta; o provável e o possível. Aquilo que foi ou mesmo coisa que jamais aconteceu convencem como verdades, especialmente se narrados pelo “eu”. Seja felicidade, tédio ou amargura, para um escritor, nada se perde, tudo se transforma em literatura. 
(Trechos do conto INVENTOR DE CONTOS, em Contos Reunidos, p. 61).
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Os leitores me fazem prosseguir e acreditar que, mesmo não sendo devidamente remunerada nesse meu ofício, escrever não é coisa de quem não tem o que fazer, e que ser escritor é uma profissão admirável.
Ao longo dos anos, a voz dos que leem as minhas obras tem sido peça chave em minha carreira. E, como para mim o leitor importa, e muito, é para ele, e por causa dele que escrevo e aprecio por demais saber que a leitura de meus textos suscita, em alguns, ora gargalhadas, ora lágrimas. E isso não tem preço. 
         Cada um daqueles que entra em meu mundo literário, e vive as histórias que crio e se diverte com meus personagens e ama até mesmo os fantoches exóticos que invento para camuflar a timidez, merece o meu carinho, a minha homenagem. Portanto, queridos leitores, meus amores e minhas amoras, a vocês dedico os meus escritos e deixo-vos a minha herança em palavras. 
 (Trecho do posfácio, em O Velho e a Menina, p. 141)