O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Manto Grisalho

Crônica de  Margarete Solange
Envelhecer não me soa agradável: a velhice é prenúncio da morte. É uma estrada certa, um caminho que não tem volta. Alguns conseguem frustrá-la por bastante tempo, e então se desviam dela pelo caminho, e assim, escondendo-se e esquivando-se, prosseguem; contudo a velhice é a sorte de todos, exceto para aqueles que morrem prematuramente. Para aqueles que conseguem evitá-la ao longo da vida, um dia ela chega e, entrando por qualquer fresta descuidada, gloriosamente se derrama malvada sobre suas cabeças como se tivesse irrompido do nada repentinamente. Nas na realidade, ela esteve sempre por perto, dia a dia se chegando, estreitando o caminho. A vida é um existir inocente que nos leva sempre adiante como se estivemos numa estrada rolante que nos leva ao futuro, mesmo que não façamos qualquer esforço para seguir em frente. A vida nos leva com ela, subindo em direção ao alto, todavia não existe anúncio de nossa chegada ao topo porque não existe um percurso oficial, tampouco linha de chegada. Não existem regras ou normas para sabermos onde nem quando se dá o apogeu, e, por vezes, não percebemos que ele passou e não nos demos conta disso. Descobrimo-nos, então, descendo a ladeira da vida, e essa descida sempre se mostra mais apressada. Ela, a indesejada velhice, do outro lado nos espreita amável. Enquanto não nos abraça completamente, anuncia-se aqui, ali e além, cobrindo com seu manto grisalho os de perto e os de longe, atingindo-nos indiretamente para dizer, num eco adocicado: “Estou aqui” “Estou aqui”. A velhice é grande aliada da morte, caminham juntas, lado a lado, desempenhando funções parecidas, sendo a primeira menos sincera porque disfarça suas intenções. Para provar que reina, toma como reféns nossos avós e, após entregá-los para sua aliada, apodera-se de nossos pais... – Vê quem amamos tão intensamente, envelhecer desassossega nossos corações compassíveis! Esse envelhecer nos leva juntos, como se em sonho estivéssemos mirando o espelho do futuro: ele sussurra que a juventude está fugindo de nós... Muitos preferem não traduzir para si mesmos o balbucio dessa voz.


Fonte 
Margarete Solange: 
O crente não escolhe, 
é um escolhido, 2011, p. 84.
Editora Queima Bucha,
Crônica: Manto Grisalho