O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A difícil arte de ser compreendido

Crônica de Margarete Solange 
Desde pequena, eu queria agradar. Queria ser uma boa filha, boa aluna, melhor amiga de alguém. Esforçava-me para tirar boas notas e passar sempre nos exame para o qual eu fosse submetida. Quando somos crianças e adolescentes, agradar pessoas e passar em exames é bem mais fácil porque os critérios de avaliação obedecem uma lógica que poucos ousam violar, melhor dizendo, nessa fase da vida, ser aprovado depende de nós, de nosso esforço e dedicação. Não faltam elogios aos nossos feitos; então, ficamos acostumados a ser louvados e achamos que somos capazes de conquistar tudo aquilo que queremos. Pensamos que podemos tudo. Quando crescemos, somente pela fé podemos tudo! Um mundo novo surge diante de nós nos misturando a estranhos, e a sobrevivência torna-se mais complicada; algumas vezes, nossos sonhos são castrados. Então, alguns de nós se tornam bichinhos acuados que atacam para se defender. Por causa das injustiças dos homens alguns perdem a fé. Estou tentando aprender com tudo isso. Tenho reações diferentes ante as minhas decepções. Quando crianças, se somos quietinhos, “bem comportados”, agradamos, mas como adultos, se continuarmos tentando agradar a todos, sentimo-nos confusos e frustrados porque isso é tarefa impossível. As pessoas querem nos moldar conforme o seu querer e suas necessidades. Não conseguimos ser tão elásticos assim. Não faz bem para nós mesmos desejarmos ser demasiadamente simpáticos, mesmo porque nunca acham que somos e passam a dar às nossas falhas um peso bem maior que aquele atribuído às nossas virtudes. Por vezes, aquilo que é qualidade e agrada a uns é detestável para outros, uns nos admiram; outros, talvez por inveja, não sei, antipatizam-nos. Atraímos amigos e inimigos, mesmo quando não temos intenção de fazer nem uma coisa nem outra. Estou na metade de minha vida e ainda sinto-me um tanto quanto leiga na arte de entender as pessoas; além disso, sinto-me, não poucas vezes, bastante incompreendida. Todavia, creio que num ponto, tenho um pensamento acabado: todos, sem exceção, temos nossas particularidades: umas, que são dignas de elogios, e outras, consideradas chatices de algum modo. Isso, a meu ver, serve para qualquer tipo de temperamento, seja para os tímidos: tranquilos e inofensivos, seja para os brincalhões: espalhafatosos de otimismo contagiante ou mesmo aqueles que se acham autossuficientes: determinados, autoritários, julgam-se exemplos para os demais; serve também para os melancólicos, que, muitas vezes, são donos de grandes talentos, mas possuidores de temperamento delicado, que costuma variar de um extremo a outro. Li muito, observei muito, desapontei e fui desapontada para poder compreender que as coisas não são como queremos que sejam; é por isso que fazemos acepção de pessoas no momento de afunilarmos as nossas amizades. Agora, que compreendo isso, já não quero me obrigar a mudar para ser como “todo mundo é” ou fazer algo porque “todo mundo faz”, prefiro que respeitem mais as minhas particularidades, meus limites, porque, muitas vezes, quando as pessoas nos propõem mudanças, apresentam-se como modelos a serem seguidos, quando sabemos que diferenças individuais existem e são necessárias. Não temos que mudar nosso temperamento, embora acredite que devemos mudar algumas de nossas atitudes, especialmente quando elas trazem prejuízo na convivência. Não é sempre que acredito nas pessoas, mas minha fé em Deus me ajuda a conviver bem com elas. Hoje, já não ando mais à procura do amigo ideal, leal, embora sei que na velhice vou olhar para trás e ver que encontrei no curso de minha vida alguém que mereceu esse título, alguém que soube reconhecer as minhas virtudes e que me compreendeu, apesar dos defeitos. 


Fonte 
Margarete Solange: 
O crente não escolhe, 
é um escolhido, 2011, p. 104-105
Editora Queima Bucha, 

Crônica: A difícil arte de ser 
compreendido.