Desde pequena, eu queria agradar. Queria ser
uma boa filha, boa aluna, melhor amiga de alguém. Esforçava-me para tirar boas
notas e passar sempre nos exame para o qual eu fosse submetida. Quando somos
crianças e adolescentes, agradar pessoas e passar em exames é bem mais fácil
porque os critérios de avaliação obedecem uma lógica que poucos ousam violar, melhor
dizendo, nessa fase da vida, ser aprovado depende de nós, de nosso esforço e
dedicação. Não faltam elogios aos nossos feitos; então, ficamos acostumados a
ser louvados e achamos que somos capazes de conquistar tudo aquilo que queremos.
Pensamos que podemos tudo. Quando crescemos, somente pela fé podemos tudo! Um
mundo novo surge diante de nós nos misturando a estranhos, e a sobrevivência
torna-se mais complicada; algumas vezes, nossos sonhos são castrados. Então,
alguns de nós se tornam bichinhos acuados que atacam para se defender. Por
causa das injustiças dos homens alguns perdem a fé. Estou tentando aprender com
tudo isso. Tenho reações diferentes ante as minhas decepções. Quando crianças,
se somos quietinhos, “bem comportados”, agradamos, mas como adultos, se
continuarmos tentando agradar a todos, sentimo-nos confusos e frustrados porque
isso é tarefa impossível. As pessoas querem nos moldar conforme o seu querer e
suas necessidades. Não conseguimos ser tão elásticos assim. Não faz bem para
nós mesmos desejarmos ser demasiadamente simpáticos, mesmo porque nunca acham
que somos e passam a dar às nossas falhas um peso bem maior que aquele
atribuído às nossas virtudes. Por vezes, aquilo que é qualidade e agrada a uns
é detestável para outros, uns nos admiram; outros, talvez por inveja, não sei,
antipatizam-nos. Atraímos amigos e inimigos, mesmo quando não temos intenção de
fazer nem uma coisa nem outra. Estou na metade de minha vida e ainda sinto-me
um tanto quanto leiga na arte de entender as pessoas; além disso, sinto-me, não
poucas vezes, bastante incompreendida. Todavia, creio que num ponto, tenho um
pensamento acabado: todos, sem exceção, temos nossas particularidades: umas,
que são dignas de elogios, e outras, consideradas chatices de algum modo. Isso,
a meu ver, serve para qualquer tipo de temperamento, seja para os tímidos:
tranquilos e inofensivos, seja para os brincalhões: espalhafatosos de otimismo
contagiante ou mesmo aqueles que se acham autossuficientes: determinados,
autoritários, julgam-se exemplos para os demais; serve também para os melancólicos,
que, muitas vezes, são donos de grandes talentos, mas possuidores de temperamento
delicado, que costuma variar de um extremo a outro. Li muito, observei muito,
desapontei e fui desapontada para poder compreender que as coisas não são como
queremos que sejam; é por isso que fazemos acepção de pessoas no momento de
afunilarmos as nossas amizades. Agora, que compreendo isso, já não quero me obrigar
a mudar para ser como “todo mundo é” ou fazer algo porque “todo mundo faz”, prefiro
que respeitem mais as minhas particularidades, meus limites, porque, muitas
vezes, quando as pessoas nos propõem mudanças, apresentam-se como modelos a serem
seguidos, quando sabemos que diferenças individuais existem e são necessárias.
Não temos que mudar nosso temperamento, embora acredite que devemos mudar
algumas de nossas atitudes, especialmente quando elas trazem prejuízo na
convivência. Não é sempre que acredito nas pessoas, mas minha fé em Deus me
ajuda a conviver bem com elas. Hoje, já não ando mais à procura do amigo ideal,
leal, embora sei que na velhice vou olhar para trás e ver que encontrei no
curso de minha vida alguém que mereceu esse título, alguém que soube reconhecer
as minhas virtudes e que me compreendeu, apesar dos defeitos.
Fonte
Margarete Solange:
O crente não escolhe,
é um escolhido, 2011,
p. 104-105
Editora Queima Bucha,
Crônica: A difícil arte de ser
compreendido.