José Roberto Alves Barbosa
Santiago e Ilmar, dois velhos. Ambos
aprenderam a enfrentar as agruras da vida com resignação. Aprendi a admirar
Santiago muito cedo. Fui apresentado ao velho Santiago por um senhor americano,
também velho, chamado Hemingway. Ressaltou o fatalismo de Santiago na tentativa
de fisgar um grande peixe. Descobri, então, que Santiago era pescador.
Hemingway disse-me que, para aquele velho cubano, pescar era um ritual religioso e, como tal, o holocausto se fazia necessário.
Compreendi, assim, a exigência do sacrifício.
Em todo sacrifício há
derramamento de sangue, por isso Santiago não só feriu, também teve que ser
ferido e aspergir o produto de seu esforço com o próprio sangue. A maior dor
que o velho teve que enfrentar foi a frustração de não obter o peixe tão
desejado. Fora comido pelos tubarões. Devoraram tudo, não só o seu amigo peixe,
mas também seus sonhos e expectativas.
Ilmar também teve os
seus sonhos literalmente castrados. O amor desiludido, a dialética relação
entre a esperança e o desencantamento permeava sua mente. Ouvi de Santiago, pelas palavras de um homem, mas foi uma mulher que
me contou de Ilmar. Margarete destacou dilemas e frustrações do velho angustiado.
Pela formação religiosa que lhe é inerente, Margarete preferiu ressaltar a
comicidade e os resultados da experiência do velho Ilmar. Fiquei encantado com
a história do velho, também sofredor. Em face da penumbra de sofrimento que acompanha
Ilmar, acabou sendo inevitável fazer associações entre os dois velhos: Santiago
e Ilmar. Por conhecer os lugares por onde passou Ilmar, acabei me identificando
com o cenário em que ele viveu. Às vezes, chegava a me ver caminhando nas
praias de Pirangi e Areia Branca. Pelo mar. Ou la mar como preferiria
Santiago. Naquelas praias, Ilmar encantava os jovens contando suas estórias. É
claro, todo velho, às margens de uma praia, adora contar estórias! Mas com Ilmar era diferente.
Contar estórias era como lançar sementes na terra. Participar do processo criador.
Construir, ao mesmo tempo, sonhos e ilusões. Celebrar a vida.
Desde cedo, Ilmar
percebeu que a vida vale a pena, quando conseguimos lhe dar sentido. Com as
estórias do velho sofredor, constatamos que o homem se recusa a ser o que lhe
dizem que é. Por isso, através da arte, busca transcender. A arte e a religião
transcendem o homem. O próprio Deus revela-se, também na arte. Na poesia de
Davi. Nos cânticos de Salomão. Na mensagem profética de Isaías. Na descrição
filosófica do logos em João. Talvez seja,
por isso, difícil de desassociar a arte de Deus. Hemingway e Margarete partem
desse pressuposto. Hemingway, mesmo marcado pelo ateísmo, não conseguiu se
desvencilhar da sombra da imagem do sofrimento humano, especialmente o de
Cristo. Margarete, ao contrário de Hemingway, respira a fé cristã, por isso não
tem receio de inserir, comparar e aplicar trechos bíblicos em sua interpretação
do sofrimento.
Seguindo a arte de
contar estórias, tanto Hemingway quanto Margarete comungam uma temática
evidente no percurso filosófico e cristão. A questão do sofrimento humano.
Sofrer talvez seja uma condição existencial.
Deixo-vos, portanto,
com a narrativa de Margarete sobre o velho Ilmar, seguindo, com suas palavras
poéticas, os desafios enfrentados pelas limitações da vida humana. Se o caro
leitor ainda não conhece Santiago, recomendo que o faça. Enquanto isso, ouça a voz de Ilmar. Valerá a pena. No final, como
eu, o caro leitor, também, será grato a Margarete por nos legar mais essa
porção de sua habilidade literária e concluirá, como Hemingway, que o homem
pode ser destruído,
mas nunca derrotado.
Julho de 2001
O Velho e a Menina
Margarete Solange.
Oito Editora,
Natal, 2014, 142 p.
Natal, 2014, 142 p.
Prefácio de:
Jose Roberto Alves Barbosa
Foto da capa:
Felipe Galdino
Jose Roberto Alves Barbosa
Foto da capa:
Felipe Galdino