O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

domingo, 16 de setembro de 2012

A natureza não envelhece

 Margarete Solange
A natureza me fascina. Mesmo maltratada pelo homem, castigada pelo sol, torturada pela seca, é motivo para belas poesias. 
O veículo avança velozmente, como se voltasse no tempo. Olho a paisagem em volta, é como se o passado estivesse dentro dela. Tudo é tão igual. A natureza não envelhece. Está tal e qual eu a via quando era criança.”
Interrompi o meu texto para apreciar a paisagem. Quando tentei prosseguir, fugiu-me a inspiração. Abri novamente o caderninho de Marina para ler uma crônica na qual ela comparava as pessoas com a natureza. Ela escreveu dizendo:
“A natureza é uma arte sem moldura, feita pelas mãos do Criador dos criadores. A terra seca, o sol causticante, o mato cinzento, empoeirado; tudo isso me faz lembrar Poço-de-Pedras, o interior onde viveram os meus avós maternos. Um lugar perdido em meio a uma selva de galhos secos e pedras sem nenhum valor, mas que para mim e os meus irmãos pequenos eram verdadeiros tesouros, porque éramos inocentes e aquelas veredas de pedras arredondadas, de cores sem brilho eram belas para nós.
A natureza faz-me lembrar algumas vidas humanas. O mato verde seria as pessoas privilegiadas. As serras inabitadas, isoladas ao longe, aqueles que não têm a companhia de ninguém ou que preferem ser solitários. As enormes pedras, estas são iguais aos que nada sentem porque são duros e insensíveis. – Ó pedregosos corações, quem pode compreender os teus sentimentos? O que pode brotar de teu chão pedregoso e resistir entre os teus espinhos? Como podes compreender os que te amam se és como as pedras? Todavia, conforta-me saber que as pedras podem ser transformadas pela água, que insiste ao longo dos anos sem desistir jamais.
Há tragédias na natureza, como há nas vidas humanas, mas ela não maldiz os homens, tampouco o seu Criador. Os galhos secos, quebrados, o rio seco, chão rachado... Tudo se transforma em belas poesias. Quando desce a chuva e outra vez renova as suas cores, ela sorri, esquecida dos dias maus.
Até que ponto os seres humanos são realmente humanos, se fazem tanto mal aos seus semelhantes? Destroem o mundo em que vivem e atribuem ao Criador a culpa do mal que fazem a si mesmos.
Se o tempo voltasse, como podemos voltar ao lugar de onde saímos um dia, eu voltaria e seria outra vez aquela criança inocente, que conversava com Deus quando estava sozinha, que chorava às escondidas e transformava as árvores em companheiras e confidentes dos meus problemas infantis...
Sinto saudade de correr descalça em meio à chuva, de subir em árvores e pular de seus galhos, gritando como se fosse um pássaro livre a voar...”
[...]
Os poetas são pessoas diferentes. São como pássaros: se não podem voar, voam através da imaginação.


Fotografia de Jorge Luiz



Margarete Solange
trecho da obra
O Silêncio das Lembranças
Queima-bucha, 2011,
 p.200-201,202