O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O Segredo

conto de Margarete Solange


Eram vizinhas havia algum tempo. Quando passavam uma pela outra, não se olhavam. A jovem andava como que na ponta dos pés, altiva, nariz empinado. Mais parecia uma princesa que, por habitar em meio aos pobres, odiava a todos em seu derredor. E odiava mesmo. Repetia isso em pensamento sempre que cruzava a passarela do abrigo onde morava.
A moça virava-lhe o rosto. A velha nem se importava com as suas demonstrações de desagrado. Aliás, nem notava-lhe a presença ou a ausência. Desde que o marido morrera, ficara assim, desgostosa da vida. Cabisbaixa, melancólica, parecia-lhe que o mundo era desbotado, desprovido de cores. Amofinava-se dia a dia, como se o seu mundo estivesse encolhendo: encurtava-se o alcance de sua visão e da audição. Não que estivesse surda ou enxergasse mal. A questão é que nada à sua volta lhe interessava. Estava na vida unicamente esperando a morte, mas esta, de propósito ou de tão ocupada, esquecia-se dela. A velha sentava-se no banco do jardim e lá ficava por horas, quieta, observando os pássaros como se nada visse.
         Contemplar a anciã não lhe fazia bem. Era como se visse a si mesma em dias futuros: velha e sozinha. Ela bem que poderia ir morar em outro abrigo; afinal, naquele só havia pessoas jovens, e ela estava velha demais.
Estavam ali pelo mesmo motivo: não tinham para onde ir. O abrigo era uma espécie de casa de caridade. Um lugar aconchegante, organizado e, sobretudo, não lhes custava nada. O jardim e o quintal eram bastante espaçosos e arborizados. A Casa Grande tinha um estilo antigo, rodeada de alpendres. Na parte de trás foram construídos, de cada lado, três quartos. A jovem e a velha moravam na mesma ala, do lado esquerdo.
Da janela de seu quarto, a jovem contemplava as flores singelas que coloriam o pátio. Elas não tinham dono, ninguém as regava ou cuidava, mas estavam por toda parte. Somente a velha enfeiava o jardim com a sua presença. Desagradava-lhe cada detalhe de sua fisionomia: os olhos tristonhos, semblante melancólico... Os seus passos lentos, a bengala, o cabelo branco... Um quadro triste que lhe trazia pesares.
         Dia após dia, a morte esquecia-se de seu compromisso com a velha. A jovem dividia com ela a mesma parede de seu quarto, e isso a entediava. Nenhum ruído ouvia, a vizinha não falava. Caminhava com passos suaves, dentro de casa não usava bengala, não precisava, adotara a bengala como se fora uma companhia, a fim de sentir-se menos desamparada. Ela nem mesmo batia com o talher no prato, talvez sequer comia. Era uma morta viva que, à noite, tossia muito e roncava alto.
         De repente, a moça passou a elevar a voz ao telefone, falando como que para surdo ouvir. Contudo, a velha nem surda era, escutava muito bem e, mesmo sem se interessar pela vida alheia, ouvia, porque a vizinha não tinha bons modos. Em alguns momentos chegava a gritar com o seu interlocutor. Por vezes, era doce, mas ainda assim não suavizava o tom da voz.
         – Tá bom, amor, eu entendo. Não, não estou zangada... Mas no próximo final de semana a gente se vê, né?... Estou morrendo de saudade.
         Em outro dia:
         – Nessas horas lembra que tem irmã, né? – alguns instantes em silêncio. – Tá bom, eu faço, mas não fique acostumadinho, não, viu, feinho? Tá eu faço... Vou quebrar o seu galho, irmãozinho.
         Numa amorosa conversa com a mãe:
         – Sinto tanta saudade, mãezinha. Você bem poderia vir morar comigo... E daí? Ele não é mais criança. Já tá na idade de casar... Eu, não! Primeiro vou me formar. Tá bom, mãezinha, não quero discutir... Tudo bem... Tá certo... Beijo.
         E assim a velha se habituou a saber tudo o que se passava na vida da vizinha só de ouvi-la falando ao telefone com o irmão, o namorado e a mãe, a quem carinhosamente chamava de “mãezinha”.
         Ao passar pela velha, fingia não vê-la. Sabia que ela a ouvia falar ao telefone e a censurava por essa sua indiscrição; no entanto, não abaixava o tom da voz. Falava alto e explicado. Queria se fazer ouvir.
         No dia em que a vizinha não falava ao telefone, a velha estranhava. Acostumou-se a ter o seu silêncio quebrado pelas conversas desastradas da mocinha.
         Com o passar do tempo, a voz, que já possuía em sua essência um tom autoritário, foi tornando-se agressiva.
         – Pois que fique com ela. Acha que vou correr atrás de você? Rastejar a seus pés... Falo do jeito que eu quiser. E eu lá me importo se esse povo fofoqueiro fica escutando as conversas dos outros... Deveria arranjar o que fazer ao invés de ficar se importando com a vida alheia. Ora essa...
         Em seu quarto, a velha, que ouvia a conversa sentada numa poltrona, entendendo que a vizinha se referia a ela, levantou e fechou-se no banheiro. Continuava ouvindo os gritos da moça xingando o namorado. Não tinha como não ouvir. Após essa discussão, não voltou a ouvi-la falando com o rapaz. Por dias, tentou não ouvi-la, mas não dava para evitar nem mesmo tendo o rádio ligado junto ao ouvido. Do modo como a outra falava, era obrigada a escutar toda e qualquer conversa que tivesse ao telefone. Assim, novamente a velha acostumou-se com a tagarelice da vizinha, de maneira que se ela não falava, sentia falta. Tempos depois, a moça passou a agredir o irmão com palavras ferinas e acusações descabidas.
         – Liga porque quer. Eu vivo muito bem sem você... Você só me liga para pedir favores. Você é um chato, eu te odeio.
         Não demorou muito, passou a agredir a mãe de igual modo.
         – Mãezinha, quer saber? Suma da minha vida. Desapareça. É... Isso mesmo... Eu nem gosto de você de verdade. Vivo muito bem sozinha, não preciso de você para nada. Falar com você toma o meu tempo, atrasa a minha vida. A partir de hoje não quero falar com você nunca mais.
         Gritou e xingou a mãe, depois se calou. A velha apurou o ouvido e ouviu que a moça chorava. Como pode uma filha referir-se à mãe tratando-a de modo tão desaforado? Não se conteve. Indignada, deixou o seu quarto e, sem se preocupar em moderar os modos, bateu à porta da vizinha.
         Tão logo a moça abriu a porta, lançou-lhe em rosto um monte de verdades. O irmão e a mãe tinham razão, ela era insuportável, egoísta. Não tinha modos de falar nem com a própria mãe. Por causa do mau gênio, perdera o namorado, intrigara-se com o irmão. Pretendia matar a mãe de desgosto?
A velha sequer parava para se recompor. Disse tudo que queria, com a mesma afobação com que a outra agredira a mãe e o irmão. A moça suspendeu o choro e, parada a sua frente, escutava, quieta, todo o sermão. Desorientada, a velha pôs-se a repetir as palavras já ditas.
         – É isso que você quer? Matar a sua mãe de desgosto? Quer que ela morra? Hein, é isso que você quer?
– Eu sempre quis que alguém me desse um sermão como esse. Que me dissesse umas verdades direcionadas somente a mim... Entre. Vou trazer-lhe um pouco de água.
A velha bebeu em silêncio, estava mesmo precisando.
         – Sempre desejei que alguém se importasse comigo...
         – Ah, mas sua mãe deve se importar, sim. O fato é que você é muito temperamental... Sua mãe, coitada, deve estar até passando mal nesse momento. Você deveria ligar para ela e pedir desculpas...
         – Não vou fazer isso.
         – Pois saiba que acho que a sua mãe é quem está coberta de razão.
         – Não existe mãe nenhuma. Não existe irmão, nem namorado... Não existe ninguém.
Confessou-lhe que fingia falar com pessoas ao telefone porque não queria que os vizinhos soubessem que era sozinha no mundo. Achava muito humilhante não ter ninguém. Queria ser como as outras pessoas que tinham uma família, irmãos com quem brincar e, até mesmo se desentender...
         Vivera num orfanato, até que, aos dez anos, uma família a levou, dizendo que cuidaria dela; porém a escravizaram, forçando-a a realizar serviços domésticos intermináveis, impedindo-a de estudar. Preferiu fugir e começar a vida morando na rua.
         Foi convidada para morar no abrigo pelos administradores, o casal que morava lá. Foram eles também que lhe conseguiram emprego. No trabalho, ouvia uma colega falar ao telefone com a mãe, tratando-a por mãezinha. A partir de então surgiu-lhe a ideia de ter uma família imaginária. Depois, inventou também o namorado. Ter alguém para chamar de mãezinha era a coisa que ela mais desejava na vida.
         Sara ouviu a moça por algum tempo. Sentindo-se tola, não sabia o que dizer. Por fim, retirou-se pesarosa.
Nos dias que se seguiram, Mara passou a ir ao encontro da velha sempre que a via solitária no banco do jardim. Com o tempo, ganharam a confiança uma da outra. Sara, então, sugeriu que se tornassem uma família, afinal ambas eram sozinhas: seriam neta e avó. A moça não quis. O seu grande sonho era ter alguém para chamar de mãezinha. Se ela a quisesse como filha, aí sim, poderiam adotar uma à outra.
Como Sara resistisse, achando-se velha demais para ser mãe, Mara quis saber se ela dispunha de algum dinheiro que pudesse gastar, a fim de tornar-se uma mãe mais jovial.
A mudança foi notória. A velha parecia outra pessoa, rejuvenescera uns vinte anos. Aliás, ela não era tão velha quanto parecia. A solidão e a melancolia é que a fizeram envelhecer precocemente.
Fora casada por quase trinta anos. Não pôde ter filhos, e o marido não desejava tê-los por adoção. Nunca tivera parentes, além do marido. Da infância, tinha lembranças tristes. Combinaram, então, nunca mais falar sobre o passado. Viveriam o presente, tentando melhorar o futuro.
Mara sonhava ter uma casa de verdade, que não fosse um orfanato, um abrigo. Queria também ter um irmão. Assim, sairiam juntos, conversariam, discutiriam, depois fariam as pazes.
Como Sara não tinha sonho algum, ajudaria a moça a realizar os dela. Sugeriu que Mara se aproximasse do vizinho. O rapaz parecia ter entre dezoito e vinte anos, seria o irmão ideal. A moça se opôs.
– Nunca! Odeio aquele cara.
– Por causa da cor?
Não era preconceituosa. Passara a detestar o vizinho porque ele fazia comidas com cheiros irresistíveis, e ela jantava umas poucas bolachas secas com café, e às vezes continuava com fome, especialmente quando ele cozinhava à noite. Por causa disso, e porque cantava hinos com voz desentoada, ela o antipatizava. O rapaz fazia a sua fome aumentar, e as suas bolachas terem gosto ruim. A moça precisava economizar para ter uma casa própria, não podia fazer gastos excessivos, por isso comia mal.
No abrigo, todos tinham em comum o fato de serem pessoas solitárias e pobres, resgatadas da rua. Por se sentirem excluídos, eles eram hostis; porém, de todos, Martin era o único que parecia feliz. Com um largo sorriso sempre estampado no rosto, demonstrava ter um coração sincero e bondoso. Seria o irmão ideal. Deixar de odiá-lo não seria difícil, além do mais, a moça ganharia um irmão com talento culinário que ela, conforme confessara, não tinha.
O trato foi o seguinte: passaria um bilhete por baixo da porta do quarto do rapaz, perguntando qual seria o seu grande sonho. Se ele respondesse “ter uma casinha”, então seria aceito como o novo membro da família. A resposta ao bilhete foi deixada no local indicado, debaixo de uma pedra num recanto do jardim. O seu maior sonho era ter o seu próprio restaurante. Sara já se sentia desapontada pelo fracasso de seu plano, quando, subitamente, percebeu que havia algo escrito no verso da tirinha de papel. Leu em voz alta o que estava escrito. Emocionaram-se. Ele também desejava ter uma família.
Martin trabalhava na cozinha de um restaurante que não ficava muito longe. Seria um bom começo jantarem lá. O ambiente era requintado, e assim sendo, o jantar não deveria ser barato. Mas como a velha contou-lhe que recebia uma pensão deixada pelo marido, e sabendo que ela não tinha sonhos nem vaidades, a outra imaginou que não se importaria de gastar com certas extravagâncias.
– A senhora paga?
– Dividimos a despesa.
Sara não desejava ser explorada. Queria que a moça a amasse, como se lhe fora verdadeiramente a mãe, sem qualquer outro interesse, especialmente financeiro.
O plano deu certo: fizeram amizade com o rapaz, e ele de bom grado aceitou entrar para a família das duas vizinhas. Ele era simpático e divertido. Tinha ideias revolucionárias. Trabalhava e estudava, almejava se formar em sociologia; fora indicado para morar no abrigo pela pessoa que lhe estendeu a mão, oferecendo-lhe emprego.
Os três moravam na mesma ala do abrigo. Mara, no quarto do meio, e os dois, um de cada lado. Nas ocasiões em que Martin estava em casa também ouvia as conversas desastradas da vizinha, falando ao telefone com a mãe, o irmão e o namorado. Ao saber que eram pessoas imaginárias, confessou que, em alguns momentos, chegou a considerar essa possibilidade.
Nos dias em que Martin tinha folga, juntavam-se para conversar e sonhar com a nova morada. Sentiam-se felizes só de imaginar como seria viver juntos na casa que teriam. Sempre que se reuniam, falavam sobre o mesmo assunto. Com o dinheiro que estavam guardando, comprariam uma boa casa. Começariam vendendo marmita, e assim conseguiriam dinheiro para abrir um restaurante.
Sara sentia-se tão realizada que lhe custava crer que era real a sua felicidade. Sempre desejou ter filhos, e na juventude jamais os tivera. Na velhice, o seu desejo concretizou-se. Ela queria que ficassem ali mesmo; afinal, não pagavam nada e no abrigo havia um quintal enorme e jardim como os filhos queriam. Mas eles desejavam muito ter uma casa própria.
A velha lembrou-se da história de John Steinbeck, e se entristeceu. Lennie era somente uma criança grande, não merecia morrer. Ele adorava quando o amigo George lhe dizia como seria o ranchinho que eles comprariam com o dinheiro que conseguissem juntar no novo emprego. Chorou, e não quis dizer aos filhos o que temia. Antes, a ideia de morrer não a assustava. Após o falecimento do marido, esperava que a morte não se esquecesse dela por muito tempo. Às vezes, até a esperava ansiosa; tinha pressa. Por esses dias, talvez a morte viesse buscá-la antes que estivessem vivendo na nova morada.
Voltou a sentir-se melancólica e abatida. Se um dos três tivesse que morrer, que fosse ela. Mara e Martin eram tão jovens, estavam só começando a vida. Confessou o motivo de sua angústia. Comprou o livro “Ratos e homens” e deu para os filhos lerem. Eles se emocionaram com a história, mas acharam infundados os seus maus pressentimentos.
– Na nossa história, mãezinha, ninguém vai morrer, eu prometo. Vamos ter nossa casinha e ser uma família feliz.
A convicção da filha quase a convenceu. Sara, então, quis saber o porquê de ela ter tanta certeza daquilo que dizia.
– Fácil! A autora da nossa história é uma mulher. Geralmente as mulheres não são dadas a cometer crimes.
Pensou em algumas escritoras que foram cruéis com os seus personagens. Piorou da apatia e adoeceu gravemente. Os filhos queriam usar o dinheiro que estavam economizando para levá-la a um médico particular e interná-la numa boa clínica; Sara não aceitou. Os dois se desesperaram. Não queriam que ela morresse, e para livrá-la da morte estavam dispostos a dar tudo que tinham.
Ela então lhes entregou uma significativa quantia que tinha guardada, e pediu que juntassem com as economias que eles tinham para comprar uma casa espaçosa, bonita e aconchegante. Seu último desejo era morrer feliz ao lado deles.
Dia após dia Sara piorava. Os filhos faziam tudo que podiam para ajudá-la a viver. Numa de suas pioras, confessou que guardava um segredo. Havia escrito uma carta, mas eles só deveriam lê-la depois que ela morresse.
Mandou que trouxessem, para consultá-la, um médico conhecido seu, que morava numa cidade vizinha. O doutor fez uma consulta demorada, e diagnosticou tuberculose. O caso era grave. A cura seria lenta, e dependia de cuidados. Receitou alguns medicamentos, que ele mesmo tratou de providenciar. Orientou aos filhos da paciente que ministrassem os remédios rigorosamente nas horas prescritas.
Sara apreciava vê-los empenhados em sua recuperação. Gostava de ter se tornado a mãe que eles a fizeram ser. Sentia-se amada, e o fato dos filhos demonstrarem o quanto ela era valiosa já tinha feito o pouco tempo de vida ao lado deles valer a pena.
Mandou que o doutor levasse a carta consigo. Logo que ela morresse, ele deveria trazê-la para que os filhos a pudessem ler.
Sete meses depois, o médico recebeu um telefonema pedindo que viesse vê-la, e que trouxesse a carta consigo. Tão logo ele apresentou-se no portão, Mara apressou-se em recebê-lo. Estendeu-lhe a mão, e com voz autoritária, pediu-lhe que lhe entregasse a carta.
No semblante da jovem não havia qualquer sinal de luto ou tristeza. O médico sentiu um profundo pesar. Tinha pela velha amiga grande estima. Não achava que ela partiria; afinal, nos últimos dias, tinha tido grande melhora. A melhora da morte, pobrezinha. Entregou-lhe a carta.
– A que horas ela faleceu?
– Faleceu, o quê? Ficou doido? Fizemos uma feijoada para comemorar a recuperação de nossa mãezinha. Como você é um grande amigo, resolvemos convidá-lo.
Rasgou a carta em pedacinhos.
– Já que ela não vai mais morrer, o meu irmão e eu combinamos destruir a carta. Daqui a uns cem anos ela faz outra igualzinha – E com um largo sorriso de felicidade, conduziu o convidado pela lateral da casa.
Sara vira tudo pela janela de seu quarto. Saber que os filhos que a adotaram na velhice a amavam verdadeiramente era o que mais desejava na vida. Sentindo-se feliz e realizada, ainda viveria por muitos anos. Qualquer dia, escreveria outra carta igual àquela ou, quem sabe, falaria com os filhos abertamente sobre o assunto que até então preferia ocultar.











.Margarete Solange,Contos Reunidos,
Sarau das Letras,2014, p. 35-44

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

No meio do nada

             poesia de Margarete Solange
Cinquenta anos...
E eu aqui sentada no meio do nada,
Plagiando a mim mesma...
Melancólica!
Lá fora o mundo se estende
Moderno, prático, carrasco!
Encarcerada em minhas próprias paredes,
Lamento as horas perdidas.
Para sentir-me realizada,
Tento crescer em palavras
E busco a lógica da vida.
Vão-se os anos...
E eu sem realizar grandes feitos,
Da varanda contemplo as estrelas,
Sonho viajar pelo mundo,
Compreender as pessoas,
Entender a mim mesma.
E se eu plantasse uma árvore,
Esse feito me traria grande contentamento?
Nem mesmo sei o que seria grande,
O que seria belo demais para o mundo.
Que feito grandioso poderia
Brotar de um peito tão singelo?
Tenho braços curtos, pernas lentas,
Olhos limitados.
O pensamento voa alto como águia,
Mas o pensamento é algo irreal,
Não é concreto, é vento!
E a águia fascinante em quem me inspiro,
Imponente personagem das fábulas,
É um bicho do deserto...
E não tem melodioso canto.
Ser pequeno parece mais verdadeiro!
Belas epopeias, tudo ficção,
Somente na dureza do dia a dia,
Na injustiça e no trágico,
O mundo se faz mais real.





Margarete Solange,
Inventor de Poesia, 

2ª edição, 

2014, p. 30 
Fotografia de 
Jorge Luiz