O homem pode não ser rico, mas se ele tiver na bagagem a leitura será mais que isso: será sábio. A sabedoria, sem dúvida, é grandiosa, é tudo na vida, não na morte. Na morte, todos os homens são igualmente leigos.

Margarete Solange. Contos Reunidos, p. 98

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O Silêncio das Lembranças

O romance se divide em duas fases. Na primeira, a narradora Marisca inicia com uma pincelada na infância e então no terceiro capitulo já entra na adolescência. E ai muita coisa acontece nesse período em que as meninas estão descobrindo o amor. Até a metade da obra o cenário é composto pelos sítios e pela Casa Grande da família paterna. Na segunda parte da história, todo mundo ficou adulto, então, acontecem as reviravoltas e grandes emoções.
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Resumo da obra 
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Marina e Marisca, duas meninas apaixonadas por leitura e pelo contato com a natureza. Felizes, brincam soltas pelos sítios que pertencem às suas tias, nos derredores da querida Casa Grande em Jardim das Vargens. Marisca, atrapalhada e dotada de imaginação fértil, confunde a realidade com o mundo dos livros. Espiona, às escondidas, os encontros de Marina e Stony, desaprova amizade da irmã com o solitário pintor. Tenta, de todas as maneiras sondar que tipos de pensamentos e sentimentos se escondem no íntimo da sensível Marina e do misterioso rapaz. Como não consegue compreender totalmente o envolvimento dos dois, inventa, dando sua própria interpretação, a partir daquilo que vê, ouve e ler no caderninho de páginas amarelas, no qual a irmã revela seus sentimentos. Acredita que pode protegê-la das ciladas preparadas pelo coração e assim atrapalha o romance dos dois com a missão de conduzi-la a um destino melhor. Na fase adulta, torna-se jornalista e escritora; então resolve juntar tudo o que leu, viu e ouviu para escrever um romance no qual Marina é a personagem principal. Narrando sobre a irmã, revela tudo o que sabe, todavia, falando de si mesma, omite detalhes importantes. Quanto aos sentimentos do solitário pintor, não há muito que revelar, uma vez que, como ela mesma costuma dizer em sua narrativa, “não se pode sondar o íntimo de um coração sem janelas”.
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Trechos do Posfácio

Do mesmo modo que, ao lermos uma obra, podemos nos identificar com vários personagens, um único personagem pode ter sido baseado em diversas pessoas. [...]

É natural que o romancista busque nas pessoas da vida real ou em personagens de outros autores características para suas criações. Stony, Marina e Heitor, por exemplo, são baseados em Heathcliff, Catherine e Edgar, personagens do romance de Emily Brontë. [...]

Pois é, às vezes até desejamos dar um final diferente a nossas criaturas, porém, nem sempre depende de nós autores fazê-lo. Eu sinceramente não esperava que Marisca aprontasse tudo que ela aprontou. Por vezes, planejamos de um jeito, mas o personagem teima e faz de outro, completamente fora do planejado. [...]
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.(Trechos do posfácio da autora Margarete Solange).

Algumas cenas ilustradas


Para onde vai a criança que fomos um dia? Por acaso se perde no tempo?... morre?... se vai?... – Não. Está dentro de nós, até o fim de nossos dias. (p.84)

Ouvi falar que o seu Bastos havia sido mordido por um jumento e resolvi interrogá-lo sobre o incidente. Ele mostrou-me o braço direito que ficara bastante deformado a altura do antebraço e depois iniciou sua narrativa animado. (p.46)

Assim, estavam juntos outra vez, conversando amigavelmente, embora discordassem de vez em quando. Stony lia bastante e tinha muitas coisas interessantes para contar. Minha irmã ouvia, deslumbrada, quando ele derramava seus conhecimentos. (p.64)
Aproximou-se de mansinho e abraçou-a pela cintura. Apertou o seu rosto contra a cabeça de minha irmã. (p.69)


Permaneci apoiada à murada principal, que dava vista para a estrada larga por onde passavam os carros. Embora parecesse tranquila, não estava. Corria os olhos até onde podia alcançar a vista das vastas terras férteis. Contemplei a paisagem turva, por causa das lágrimas que brotavam incessantemente, descendo-me pelas faces. (p.83)

Desta vez sou eu quem vai inventar a história desse “chalé”... e vai ser um conto de terror, queridinha... prepare-se! (p.125)


Foi nessa época que escrevi o poema “O Silêncio das Lembranças”: (p. 175)
Era uma noite fria de dezembro de 1982. Marina e eu conversávamos em seu quarto diante do espelho. (p.194)

Levantei-me e segui até a janela que dava para o pátio da frente da casa e como era noite, eu nada poderia contemplar, além das sombras. O vento frio que soprou os meus cabelos curtos e ruivos nesse instante pareceu ter levado com ele as lembranças que eu queria sepultar. (p198)


A Fonte das Pedras Limosas era somente um lugar fantástico onde duas meninas brincavam de inventar histórias. Minha irmã, como toda escritora de talento, tem uma imaginação muito fértil: criou um personagem e me fez acreditar que ele era real. Pois é, os escritores são assim, usam suas palavras como se fossem varinhas mágicas que criam pessoas e mundos imaginários. Criam histórias e nos fazem acreditar nelas, e até vivê-las, como se entrássemos literalmente nas páginas de seu livro. A partir dos personagens de obras lidas, fazem recriações, e às suas novas criações misturam experiências vividas, roubando ou emprestando características de pessoas do mundo real que estão em sua volta. Marina sempre judiou de mim, testando o poder de suas histórias dramáticas. (p.200)


Custo acreditar que [...] 
E eu que acreditei quando ela me disse que jamais cresceria. (p.202)

Referência
Margarete Solange, O Silêncio da Lembranças
Editora Queima Bucha, 2011
Ilustrações de Jorge Davi e Roanny Phanuelly

domingo, 16 de setembro de 2012

A natureza não envelhece

 Margarete Solange
A natureza me fascina. Mesmo maltratada pelo homem, castigada pelo sol, torturada pela seca, é motivo para belas poesias. 
O veículo avança velozmente, como se voltasse no tempo. Olho a paisagem em volta, é como se o passado estivesse dentro dela. Tudo é tão igual. A natureza não envelhece. Está tal e qual eu a via quando era criança.”
Interrompi o meu texto para apreciar a paisagem. Quando tentei prosseguir, fugiu-me a inspiração. Abri novamente o caderninho de Marina para ler uma crônica na qual ela comparava as pessoas com a natureza. Ela escreveu dizendo:
“A natureza é uma arte sem moldura, feita pelas mãos do Criador dos criadores. A terra seca, o sol causticante, o mato cinzento, empoeirado; tudo isso me faz lembrar Poço-de-Pedras, o interior onde viveram os meus avós maternos. Um lugar perdido em meio a uma selva de galhos secos e pedras sem nenhum valor, mas que para mim e os meus irmãos pequenos eram verdadeiros tesouros, porque éramos inocentes e aquelas veredas de pedras arredondadas, de cores sem brilho eram belas para nós.
A natureza faz-me lembrar algumas vidas humanas. O mato verde seria as pessoas privilegiadas. As serras inabitadas, isoladas ao longe, aqueles que não têm a companhia de ninguém ou que preferem ser solitários. As enormes pedras, estas são iguais aos que nada sentem porque são duros e insensíveis. – Ó pedregosos corações, quem pode compreender os teus sentimentos? O que pode brotar de teu chão pedregoso e resistir entre os teus espinhos? Como podes compreender os que te amam se és como as pedras? Todavia, conforta-me saber que as pedras podem ser transformadas pela água, que insiste ao longo dos anos sem desistir jamais.
Há tragédias na natureza, como há nas vidas humanas, mas ela não maldiz os homens, tampouco o seu Criador. Os galhos secos, quebrados, o rio seco, chão rachado... Tudo se transforma em belas poesias. Quando desce a chuva e outra vez renova as suas cores, ela sorri, esquecida dos dias maus.
Até que ponto os seres humanos são realmente humanos, se fazem tanto mal aos seus semelhantes? Destroem o mundo em que vivem e atribuem ao Criador a culpa do mal que fazem a si mesmos.
Se o tempo voltasse, como podemos voltar ao lugar de onde saímos um dia, eu voltaria e seria outra vez aquela criança inocente, que conversava com Deus quando estava sozinha, que chorava às escondidas e transformava as árvores em companheiras e confidentes dos meus problemas infantis...
Sinto saudade de correr descalça em meio à chuva, de subir em árvores e pular de seus galhos, gritando como se fosse um pássaro livre a voar...”
[...]
Os poetas são pessoas diferentes. São como pássaros: se não podem voar, voam através da imaginação.


Fotografia de Jorge Luiz



Margarete Solange
trecho da obra
O Silêncio das Lembranças
Queima-bucha, 2011,
 p.200-201,202